Recentemente, a FAO sugeriu a inclusão de insetos na dieta alimentar de populações para reduzir a fome. Crítico à proposta, o pesquisador Francisco Menezes foi taxativo: “A fome existe devido a escolhas políticas”.
Por Camila Nobrega, do Canal Ibase.
Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) gerou grande polêmica ao sugerir a inclusão de insetos na dieta alimentar de populações ao redor do mundo, para reduzir a fome. Segundo o órgão, essa seria uma saída para driblar o crescimento populacional, já que insetos, como gafanhotos e formigas, estariam sendo “subutilizados” na alimentação de pessoas.
O argumento se baseia na escassez de comida no mundo. Mas será que o problema é mesmo falta de alimentos? “Não”. Essa foi a resposta do especialista em segurança alimentar Francisco Menezes, pesquisador do assunto no Ibase e intetrande da última coordenação do FBSSAN. Ele foi taxativo ao dizer: “A fome é sempre uma escolha política. As pessoas passam fome pelo poder de escolha de outros”. Ou seja, o desafio é promover o acesso ao alimento, e não exatamente produzir mais. Esse foi um dos temas dos tema do 7º Encontro do Fórum Nacional de Segurança Alimentar, realizado no Rio Grande do Sul de 4 a 6 de Junho.
A FAO divulgou, em meados de maio, um relatório afirmando que insetos podem ser um fonte de alimentação para populações que passam fome. O que o senhor achou desta afirmação, replicada por jornais e outras mídias no mundo inteiro?
Todos os pesquisadores da área ficaram indignados com este estudo. Acho que temos que ter cuidado ao tornar pública esta indignação, porque é preciso debater qual o principal objetivo deles com isso. Mas, de qualquer forma, foi uma infelicidade. As pessoas têm que ter acesso à alimentação e ponto. Pensar em alimentá-las com restos é completamente descabido. Há populações que já comem insetos, mas é outra história, faz parte da cultura delas. Introduzir esse consumo é levar o olhar para uma perspectiva errada. Alimento há, o que falta é acesso.
De fato, o alimento só pode ser acessado atualmente por meio da compra ou do plantio. Quando não há dinheiro ou terra, a pessoa está excluída desse sistema, certo?
Exato. As corporações hoje tomam conta da maior parte dos alimentos produzidos no mundo e elas lidam com a comida como uma mercadoria qualquer. Embora o alimento tenha sido reconhecido como um direito básico dos brasileiros em 2010 (quando foi incluído na Constituição do país), na prática pouca coisa mudou. Mas é preciso entender o sistema. Se as empresas do setor trabalham com a alimentação como mercadoria, é porque há permissão do Estado para isso. O poder público permite que as corporações, nacionais e internacionais, lucrem com um direito tão fundamental à vida de qualquer pessoa.
Por isso o senhor afirma que a fome é uma questão política?
Sim, certamente ela é. Isso não é novidade, mas nunca foi assumido de verdade. Josué de Castro (médico e geógrafo, autor do livro “Geografia da Fome”) já dizia que deixar as pessoas morrerem de fome é uma escolha. Ele estava completamente certo. É um problema ligado à história da humanidade. A segurança alimentar, por exemplo, é um termo herdado dos militares, que foi transformado e usado pelo movimento social. Na guerra, cortar a alimentação é uma das maiores armas que se pode ter. Pode parecer dramático, mas, se você for pensar com cuidado, as corporações também têm nas mãos todos aqueles que não produzem seu próprio alimento. O preço do alimento mexe com a estrutura de uma sociedade.
Há situações de fome extrema no Brasil hoje que podem ser exemplificadas como uma escolha política?
Sim. Os indígenas são exemplo disso. A não demarcação de terras indígenas é um fator que leva à morte. Não olhar para isso é uma escolha do poder público, porque, embora esse fenômeno seja pouco falado, milhares pessoas, especialmente crianças, morrem de inanição na beira de estradas. Isso ocorre por falta de terra, pois etnias foram expulsas de seus territórios. O caso dos Guarani-Kaiowa é um exemplo disso. A Justiça leva seu tempo, mas enquanto isso não se define as pessoas morrem.
Além da inclusão das pessoas no sistema econômico, com geração de renda como possibilidade para comprar o próprio alimento, o senhor acha que a agricultura familiar é uma saída?
A agricultura familiar é uma das soluções. A segurança alimentar só será atingida com uma série de políticas conjuntas. É preciso reconhecer que o governo atual, desde o início do governo Lula, na verdade, avançou bastante nesse sentido. Hoje, 30% da alimentação escolar tem que ser comprada de pequenos produtores, o que representa um grande mercado que alimenta 48 milhões de crianças por dia. Mas há muito a se fazer. A agricultura familiar continua em risco.
Por quê?
Atualmente, a agricultura familiar ainda é responsável pela maior parte dos alimentos de consumo das famílias. A estimativa é que ela represente 70% da alimentação das famílias brasileiras. Mas o agronegócio ameaça a agricultura familiar. Como as pessoas buscam uma forma de alimentação cada vez mais rápida, mais prática, as compras são feitas em grandes mercados, e muitas famílias buscam grandes marcas do setor alimentício. Não se pode dizer que isso é saudável, mas é o que ocorre. As pessoas buscam enlatados, comidas congeladas e em saquinhos. As grandes empresas estão entrando na casa de cada vez mais gente. O que pouco se discute é a queda na qualidade dessa alimentação. Essa é uma das principais questões. É preciso ampliar o acesso ao alimento, isso é um ponto-chave. Mas não se pode dizer que qualquer alimento tem o mesmo teor nutricional. Aí mora a questão, a qualidade da alimentação. É preciso não só comer, mas comer bem.
Fotos: (1) Yahoo Imagens. (2) FioCruz.