Crise alimentar ou sistema alimentar em crise? O atual sistema alimentar gera vida ou morte? Questões como essas estimularam o primeiro dia do 7º Encontro Nacional do FBSSAN, nesta terça-feira (4).
Por Gilka Resende, para o FBSSAN.
A afirmação foi feita por Renato Maluf, nesta terça-feira (4), durante o 7º Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e remete à questão: Crise alimentar ou sistema alimentar em crise?
Ele, que integra a coordenação do Fórum, ressalta que um ponto fundamental é entender que a crise do sistema alimentar está interligada a outras. “Não há resposta possível para essa crise sem carregarmos as dimensões climática, energética e econômica. Tanto que atualmente o G8 consegue ser mais importante do que qualquer espaço da ONU para falar sobre segurança alimentar. E esse grupo de países mais poderosos está fortemente influenciado pelas grandes corporações ”, disse.
Maluf também apontou o papel do Brasil neste contexto. “Na verdade, são vários Brasis. Não há um só. Temos um país com contradições internas, mas que também exporta contradições. O Brasil dos grandes produtores lucra com a crise. Quando o Brasil coopera com outros países com bons programas, ficamos orgulhosos. Mas quando desanda a exportar modelos agrícolas que a gente critica aqui, ficamos muito preocupados”, acrescentou.
E ressaltou, ainda, que as políticas sociais, como o Bolsa Família, cumpriram um papel decisivo no país. “Isso está claro, é inegável. Por exemplo, o tempo de horas trabalhadas que um trabalhador de salário mínimo precisa para comprar a cesta básica reduziu. O curioso é reparar é que diminuiu em um contexto de inflação interna. Só não sabemos que cesta é essa. Do ponto de vista nutricional, ainda é preciso saber o reflexo da alta de preços na alimentação”, ponderou Maluf.
Ecossistemas e financeirização da agricultura
Claudia Schmitt, professora do CPDA/UFRRJ, expôs que é preciso pensar o sistema alimentar para além da “produção, processamento e consumo”, observando a relação da tríade com os ecossistemas. “Mesmo com uma desgovernança global, o sistema tem uma capacidade de gerir contradições e se ampliar de forma concentrada”. Essa realidade, ressaltou Claudia, “desapossa populações do acesso a meios de vida” e gera “uma erosão dos recursos naturais”. Diante disso, é preciso ter um controle público sobre a cadeia alimentar como um todo. Isso porque existe um “um jogo de escalas, desde o local até o global, de setores que deixam de ter uma regulação pública e passam para o privada”, essa que tem uma “baixa capacidade de participação da sociedade civil”.
Para mudar essa situação, Claudia aponta o acesso à informação como um ponto central. Cintando um o Rally da Safra, grande evento do agronegócio brasileiro, disse que pesquisou para tentar materializar os atores do sitema agroalimentar, mas que hoje se torna cada dia mais difícil chegar ao “ personagem último”. Ou seja, a uma pessoa, uma família ou um grupo empresarial com responsabilidades claras sobre os empreendimentos agrícolas.
Trata-se de um processo de “financeirização da agricultura, com grupos de investimento, dinâmicas de apropriação de terras e da água”. Para mudar essa realidade, Claudia destaca desafios à sociedade civil organizada: articular o debate se segurança alimentar ao de Justiça Ambiental, principalmente diante do fortalecimento dos créditos de carbono; e se mobilizar pelo acesso ao conhecimento sobre as fusões empresariais do ramo da alimentação.
É saudável mesmo ou é só propaganda?
Para Inês Rugari, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a palavra chave do sistema agroalimentar é “complexidade”. Ela explicou que o campo da Saúde costuma partir da “pessoa doente ou saudável para pensar o mundo”. Ou seja, “seria como pensar no cotidiano das pessoas e, depois, de que forma podemos interferir para apresentar escolhas mais adequadas, saudáveis, coerentes”. Como interferência, destaca o papel da mídia.“As estratégias usadas parecem um filme de terror, ainda mais quando dirigido ao público infantil. Eu diria até que é enojante”, declarou.
Inês apontou que a visão de alimento passada nos meios de comunicação deve ser combatida, como a “felicidade com o consumo de um alimento” ou a “a chamada medicalização dos alimentos, em que o nutriente de um alimento se torna uma cápsula”. “Os ultraprocessados não são alimentos, são produtos comestíveis. Isso não é um detalhe, é político assim como o consumo, seja individual ou coletivo”.
Uma classificação cunhada no Brasil separa os alimentos em três grupos: in natura, ingredientes extraídos para fins de culinária – como farinha e óleo –, e alimentos ultraprocessados. “Quando a gente organiza os alimentos dessa forma, localizamos um aumento vertiginoso dos ultraprocessados no Brasil. Chega à ordem de 30%. Na Europa, essa participação é de 70%. Nos Estados Unidos, 9 entre 10 produtos mais consumidos são ultraprocessados. Embora no Brasil ocorra esse aumento, acredito que temos um cenário passível de reversão. E ainda temos um ecossistema favorável para isso”, analisou.
* Com a colaboração de Camila Nobrega, do Canal Ibase.
Fotos: Gilka Resende e Camila Nobrega.