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Fórum discute a conjuntura política e econômica

A manhã nublada do dia 25 de julho, em meio a mudanças na mobilidade do carioca em função dos jogos olímpicos, reuniu cerca de 300 pessoas na capela Ecumênica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) para o encontro  “Diálogos sobre a Alimentação Adequada e Saudável: nenhum direito a menos: ameaças e desafios à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”. Essa foi uma atividade de greve da UERJ, organizada pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Rede Estadual de Alimentação e Nutrição Escolar (REANE) e o Instituto de Nutrição da UERJ.

Durante o período da greve, que já dura mais de 4 meses, a UERJ vem realizando atividades e eventos para demostrar sua resistência. Este é um momento crítico e lamentável, pois as condições básicas de funcionamento estão praticamente inviabilizadas. No entanto, professores, funcionários, estudantes e simpatizantes, resistem e lutam, pela manutenção da universidade pública. As atividades de greve trazem diálogos e debates, que ajudam a construir senso crítico, solidariedade e reciprocidade,  num fortalecimento mútuo, demonstrando o espaço inegociável da educação pública no país.

O objetivo principal do encontro foi apresentar uma análise da atual conjuntura política, e seus impactos nos direitos e políticas públicas no campo da alimentação, conquistados por ampla mobilização social. A tarefa de traçar esse panorama ficou a cargo dos três representantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea): Maria Emília Pacheco,  a atual presidente; Renato Maluf, coordenador do Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional; e Chico Menezes, consultor da ONG Action Aid e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Ambos foram ex-presidentes do conselho. O trio representa a atuação da sociedade civil neste significativo espaço de controle e participação social, que tem em sua composição dois terços de cidadãos; e um terço do poder público. Além da presença em nível federal, o Consea possui representações em estados e municípios do Brasil. Juliana Casemiro, professora de nutrição da UERJ e secretária executiva do FBSSAN, fez a mediação do debate. O evento pode ser assistidoneste link.

Menezes elencou três pautas para compor uma agenda de lutas para esse período: o aumento da violência no campo, o genocídio de indígenas e a criminalização dos movimentos sociais. Enquanto o evento acontecia, foi anunciada a desocupação do  Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Cultura (Minc), no centro do Rio de Janeiro. Em 70 dias de ocupação foram realizadas mais de mil atividades culturais e 100 vistantes, vindos de todas partes do mundo.

Em nota, o Minc informou que buscou a construção do diálogo e da conciliação com os movimentos de ocupação artística. Relatos de depredação do patrimônio público, ameaça aos servidores públicos, uso de drogas, presença de indivíduos armados, além da circulação de menores, são fatores alegados para a desocupação. No entanto, o Capanema foi palco de uma verdadeira cultura viva, que também permitiu espaços de debate e  dialogo de diversos movimentos sociais. No dia 17 de junho, aconteceu o evento “A Conjuntura Política Atual: dilemas e perspectivas dos setores agrário e agrícola”, promovido pelo Programa de Pós- Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRJ).

A ação da Polícia Federal veio confirmar as previsões feitas por Menezes. Em sua fala, destacou o histórico das lutas que permitiram a inclusão do Direito Humano à Alimentação no artigo 6 da Constituição Brasileira, no ano de 2010. As conferências estaduais, municipais e nacionais dos Conseas – junto com o  FBSSAN, que hoje reúne mais de 30 organizações -, resultaram nessa conquista. É importante destacar que a inclusão da alimentação como um direito constitucional ocorreu no período de extinção do conselho, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Portanto, houve intensa mobilização e resistência para que mesmo com a destituição do espaço de controle social, os movimentos encampassem suas pautas. O Consea retornou três anos depois, no governo Lula; e agora, conforme a avaliação de Menezes, Maluf e Maria Emília, pode ser esvaziado. Ainda não uma situação definida do que vai ocorrer após a decisão do Senado Federal sobre o Impeachmant de Dilma Roussef.

Menezes advertiu que a política conservadora e antidemocrática do governo interino anuncia que a Constituição não cabe no orçamento. Ou seja, está prevista uma política de congelamento dos gastos públicos por um período de 20 anos. Na opinião do economista e consultor da Action Aid e Ibase, a face mais perversa é a desvinculação de gastos públicos, sem destinar percentual de verbas para a saúde e educação. Além da privatização dos serviços públicos.

Nesse contexto da discussão do encontro –  realizado em uma universidade pública, durante o período de greve, em meio à crise política e criminalização dos movimentos sociais – , também coube comentar o editorial do jornal O Globo de domingo intitulado “Crise força o fim do injusto ensino superior gratuito” . “Por que não aproveitar para acabar com o ensino superior gratuito, também um mecanismo de injustiça social? Pagará quem puder, receberá bolsa quem não tiver condições para tal. Funciona assim, e bem, no ensino privado. E em países avançados, com muito mais centros de excelência universitária que o Brasil”, diz o texto. A resposta para o editorial estava acontecendo na capela ecumênica da UERJ.

Nessa nova proposta de governo, que Menezes afirma ser o retorno da política da década de 90, o agronegócio assume posição destaca e assumida, uma marca permanente de nossa história como bem declarou Caio Prado Junior no livro A formação da Cultura Brasileira (Ed. Civilização Brasileira, 1961).

“Se vamos à essência de nossa formação veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante; depois, algodão e, em seguida, café para o comércio europeu. Nada mais do que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país”.

A pauta da bancada ruralista e dos intelectuais do Agronegócio propõe acabar com a divisão entre Agricultura Familiar e Agronegócio; é contra a lei trabalhista no campo. Há em curso uma proposta de mudar a expressão trabalho escravo para trabalho extenuante, assim como houve a proposta de mudança do nome agrotóxico para defensivo fitossanitário; e, ainda, o projeto de lei Projeto de Lei nº 6299/2002, de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, conhecido como o rei da soja. Entre as mudanças, que preocupam organizações ambientais e movimentos sociais, está a criação da CNTFito,  instituição formada por técnicos, cuja função seria avaliar a liberação de agrotóxicos para utilização, sem a participação de outros órgãos, ligados à saúde e meio ambiente, por exemplo.

Lei do mais forte e mocultura da mente
Renato Maluf apontou como as políticas macro econômicas estão destinadas aos setores mais ricos, alinhadas com o funcionamento dos mecanismos do mercado internacional. Nesse sentido, os governos Lula e Dilma mantiveram o mesmo modelo com relação ao agronegócio no Brasil: exportando matérias-primas agrícolas, as commodities. As politicas dirigidas para o agricultor familiar são garantidas só para aqueles que podem atingir o patamar do agronegócio. O coordenador do Ceresan ressaltou que está acontecendo uma reorganização política internacional, eliminado a cooperação Sul-Sul; e fazendo um alinhamento do país com os Estados Unidos, de forma semelhante ao ocorrido nos anos 90.

Os três palestrantes concordam com a força imperiosa do agronegócio; e como as políticas de austeridade que ameaçam o Direito à Alimentação Adequada e Saudável de todos os brasileiros. Não é um problema somente para pessoas que não tem acesso a alimentos, mas às cidadãs e cidadãos que podem vivenciar uma situação de carestia dos gêneros básicos, já que a prioridade do projeto agrícola brasileiro é exportar mercadorias.Por que será que o feijão está tão caro ultimamente? Não será um indicativo da situação de insegurança alimentar, que afeta a população.

O sociólogo suíço Jean Ziegler, em seu livro Destruição em Massa (Ed. Cortez, 2013), no sistema alimentar hegemônico, encontramos hoje uma concentração tão importante que as duzentas primeiras sociedades agroalimentares controlam aproximadamente um quarto dos recursos produtivos mundiais. Estas empresas dispõem de recursos financeiros superiores a muitos dos países em que estão implantadas. Exercem um monopólio de fato no complexo alimentar, da produção à distribuição, passando pela transformação e comercialização de produtos. O seu peso é tão importante que influenciam mesmo nas decisões do governo. O efeito desse poder tem sido, muitas vezes, a restrição da escolha dos agricultores e consumidores. Adicionalmente, o controle crescente das corporações transnacionais nos setores da produção e do comércio alimentar internacional, tem repercussões consideráveis no exercício do direito à alimentação adequada e saudável.

No momento político atual, as  leis e programas, nascidos na base de uma luta popular e concebidos para garantir a Segurança Alimentar e Nutricional, a Agroecologia e o fortalecimento da Agricultura Familiar, tornam-se ilegítimas, isto é, não tem cabimento no orçamento do Estado. O sistema alimentar, representado hegemonicamente pelo agronegócio, se empenha em obedecer às leis do mercado internacional impostas pelo sistema de capital ao Estado Neoliberal.

O ponto de inflexão da lei do mais forte, no que se refere à soberania alimentar observa-se, principalmente, a partir da inclusão da alimentação no livre mercado. As negociações da Rodada de Uruguai, em setembro de 1986, foram um marco contra a soberania alimentar das nações. Nesse momento, o conceito de autossuficiência alimentar foi declarado oficialmente morto. John Block, o então secretário de agricultura dos Estados Unidos anunciou, conforme destacou o jornalista norte-americano Paul Roberts no livro O fim dos Alimentos (Ed. Elsevier, 2009): A ideia de que os países em desenvolvimento possam se alimentar eles mesmos não tem mais sentido. Eles podem melhor assegurar sua segurança alimentar confiando nos produtos agrícolas americanos, que estão disponíveis na maioria dos casos a um custo menor.

Maluf apontou que muitos consumidores não reagem diante dessa realidade, permitindo que a forma como comemos, o lugar onde compramos e o que comemos seja determinado pela iniciativa privada. Este fato tem a ver com o que a filósofa e escritora Indiana Vandana Shiva, reconhecida ativista a favor da agroecologia e a biodiversidade, cunhou como “monocultura da mente” para se referir à colonização do poder e do saber, que tem levado o mundo inteiro a subjugar e invisibilizar sistemas agrícolas locais, herdeiros da sabedoria ancestral e milenar da humanidade. Vandana, ressalta no seu livro Monoculturas da mente: Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia (Ed. Gaia, 2003), que a monocultura antes de ser semeada no solo precisa ocupar a mente.

A indiana ressalta que a monocultura da mente trata-se na realidade do controle ideológico, sociocultural e econômico, feito através do saber cientifico dominante, que valida somente a epistemologia ocidental. Os valores resultantes pela imposição forçada desta epistemologia, promovem uma sola realidade possível, e, são transferidos aos consumidores e produtores, realizando em cada um a colonização monocultural da mente.

A monocultura da mente dos indivíduos permite legitimar o que o sociólogo português Boaventura Souza define como Estado uninacional, monocultural, cientista e excludente (Ed. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad, 2010). Modelo de Estado imposto pelo Ocidente, Estado que desconhece os povos indígenas, e sempre esteve contra eles, processo que tem se agudizado com a globalização neoliberal.

Boaventura afirma que o estado monocultural, ignora outros saberes sociológicos, comportando-se como uma racionalidade monocultural. Esta considera que outras experiências e saberes são ignorantes, retrasados ou primitivos. Com isso, explica, legitima a necessidade do colonialismo, afirmando que toda forma de vida social ou uso da terra que não segue a produção para mercado deve ser considerada improdutiva ou estéril.

Texto: Juliana Dias e Mónica Chiffolleau, autoras do blog www.conhecerparacomer.com.br .

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