Com o propósito de atuar na mobilização em torno da promoção de sistemas alimentares sem desigualdade, o FBSSAN lançou a terceira fase da campanha “Comida é Patrimonio”. Essa fase, ao retomar os quatros eixos debatidos nesta campanha – sendo eles: (1) Comida é bem material e imaterial; (2) Comida é memória, afeto e identidade; (3) Comida é diálogo de saberes; (4) Modos de viver, produzir e comer – assume o ponto de vista da defesa de outros mundo de vida nos diferentes biomas brasileiros. Entende-se que a pluralidade biológica e cultural dos territórios brasileiros estão registradas nos diferentes mundos de vida que habitam este país. A partir disso, buscamos ajudar na defesa da comida como um patrimônio biocultural.
A noção de patrimônio biocultural aponta para as articulações-chaves entre sujeito-objeto, natureza-cultura, physis-sociedade. Ou seja, o ar, a água, a terra, os alimentos e os conhecimentos sociais fazem parte da riqueza comum. Por isso, o patrimônio está ligado ao bem comum. Isso significa que tanto a diversidade biológica, quanto a diversidade cultural são inseparáveis, pois juntas, são capazes de dar origem a outros tipos de diversidades, como por exemplo, a agrícola e a paisagística. Para Toleto e Narciso Barrera-Bassols ()2015, a diversidade é “uma habilidade de manter uma memória individual e coletiva, que conseguiu se estender pelas diferentes configurações societárias, resultantes da formação da espécie humana” (p. 28).
Nossos conhecimentos sobre a natureza são capazes de refletir a sagacidade e a riqueza de observações sobre o entorno realizadas, guardadas, transmitidas e aperfeiçoadas no decorrer de longos períodos de tempo. As características específicas de cada bioma resistem e residem na memória coletiva dos povos e comunidades tradicionais. Sem isso, a sobrevivência dos grupos humanos não teria sido possível (TOLETO e BARRERA-BASSOULS, 2015, p.33). Pensando nisso, a concepção estética e política da campanha foi desenvolvida através de um mapa interativo, nas proporções de 2m x 2m, criado pelos artistas visuais Mariana Moraes e Gregor Fachig. O mapa possui outras características bem especiais: ele não só foi impresso em lona telada e bordado a mão, como também todos os nomes dos Estados brasileiros foram substituídos por frases que foram coletadas de cartas de movimentos sociais e povos e comunidades tradicionais. Isto é, selecionamos as palavras que ecoaram nas falas dos povos e destacamos na linguagem visual os pensamentos-pimentas de cada bioma.
Entretanto, para conhecer essa riqueza é necessário se aproximar e fixar o seu olhar em um dos cinquenta monóculos. Eles guardam imagens de um mundo onde outros mundos se encaixam com as suas cosmologias e racionalidades. Nós queremos valorizar aqueles que cuidam da nossa casa comum. Assim, daremos visibilidade ao vínculo entre cultura, biodiversidade e território. Da mesma forma, a água como fonte de toda vida e existência é, ao mesmo tempo, uma denuncia e um anúncio nessa cartografia viva. Nós lutamos contra a colonialidade, o racismo institucional, as desigualdades e as injustiças socioambientais. No mapa, os rios que atravessam os biomas – e não se limitam às fronteiras humanas – são representados graficamente. Nosso propósito é dar visibilidade às vozes de resistência e redes de solidariedades.
A terceira fase da campanha, denominada como “Celebre o Brasil e seus mundos de vida” foi lançada em maio de 2018 em Belo Horizonte, Minas Gerais, no V Encontro Nacional de Agroecologia. O mapa interativo circulou em eventos acadêmicos e nas universidades acompanhado da oficina “Mapeamento Afetivo”. Aqui, os participantes foram convidados a ativar suas memórias culinárias, buscando refletir sobre o atual sistema alimentar, a partir dos anúncios e denúncias dos povos e comunidades tradicionais.