Por Paula Vianna e Rafael Oliveira (Articulação Nacional de Agroecologia)
Material foi apresentado durante oficina que debateu propostas para a inclusão de alimentos da agricultura familiar e agroecológica no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a partir das conclusões da pesquisa-ação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) lançaram a publicação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”, no 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, no último dia 22 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ).
Iniciada em 2019, ao completar os 10 anos da Lei n. 11.947/2009 que criou o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a pesquisa-ação que deu origem e leva o mesmo nome da publicação, foi desenvolvida pela ANA e pelo FBSSAN com o objetivo de entender os desafios, avanços e inovações na implementação do Pnae, sob a perspectiva das organizações da agricultura familiar.
Foram identificadas experiências em nove cidades de noves estados: Morros (MA), São João das Missões (MG), Paraty (RJ), Ubatuba (SP), Remanso (BA), Belo Horizonte (MG), São José do Egito (PE), Cuiabá (MT) e São João do Triunfo (PR).
Uma das principais conclusões da pesquisa é que o acesso continuado ao Pnae, sem interrupções, contribui para a organização da agricultura familiar, ampliando a capacidade de oferta, a diversificação produtiva e o acesso a outros mercados, como feiras. O acesso ao longo dos 10 anos de implementação da lei do Pnae possibilitou a estruturação das experiências, de rotas de comercialização, de criação de agroindústrias, da aquisição de equipamentos e maquinários, formação e formalização de grupos compostos por mulheres.
O Pnae é considerado uma das políticas públicas mais bem-sucedidas dos últimos governos no combate à fome ao prever que ao menos 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados e municípios sejam utilizados para aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar, diz Vanessa Schotz, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), durante a oficina de lançamento da pesquisa.
“É uma potente estratégia de promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) que, por outro lado, também amplia o acesso a alimentos produzidos localmente e possibilita o acesso a alimentos in natura e culturalmente referenciados, ampliando oportunidades para a viabilização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)”, ela explica.
Dados da publicação
A análise das experiências de aquisição de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar na alimentação escolar traz informações sobre temas como manejo de agroecossistemas, economia solidária, cooperativismo, educação e construção do conhecimento e protagonismo das mulheres.
Em cada uma das cidades, foram observadas mudanças significativas, como por exemplo: em São João das Missões, no semiárido mineiro, uma aldeia indígena substituiu os refrigerantes por polpas de sucos de frutas nativas; em São João do Triunfo, no Paraná, a diversidade de alimentos se destacou, com a inclusão no cardápio escolar de 67 gêneros alimentícios orgânicos oriundos da agricultura familiar, totalizando cerca de 50 toneladas.
No Mato Grosso, no Município de Pontes e Lacerda, uma associação para o abastecimento de escolas com produtos como frutas, farinha de mandioca, pães e biscoitos enriquecidos com farinha de babaçu, pequi e cumbaru, teve um aumento de cerca de 40% na renda da associação e abriu um novo mercado, como a entrega de cestas para consumidores solidários em Cuiabá, aproveitando os meios de transporte usados para a entrega dos alimentos nas escolas,
Em Remanso, na Bahia, um grupo de mulheres pescadoras artesanais introduziu na merenda escolar espécies de peixes como pescada, tilápia, tucunaré e cari, ofertados como filé, mas também sob outras formas, com prazo maior de validade, como conserva (peixe cozido em molho de tomate), linguiça, almôndega e hambúrguer de pescado. Além de introduzir essas espécies no cardápio, aumentando a variedade nutricional, estimulou a estruturação e o fortalecimento das ações deste grupo de mulheres, além de valorizar a identidade cultural e alimentar local.
Também foi possível identificar a organização de grupos produtivos e o diálogo da sociedade civil organizada com as/os gestoras/es públicas/os. Segundo Morgana Maselli, integrante da Secretaria Executiva da ANA e do Grupo de Trabalho (GT) de Metodologia da pesquisa-ação, a iniciativa analisou como as experiências de aquisição e fornecimento de alimentos da agricultura familiar para o Pnae podem fomentar a agroecologia nos territórios e promover processos organizativos, além de incentivar ações de educação e comunicação. “É importante dar visibilidade aos benefícios da agroecologia na promoção da alimentação saudável e na interação entre campo e cidade”, explicou.
Maselli acrescenta ainda que “nas experiências onde há diálogo do poder público, por meio do gestor do Pnae, com as organizações da agricultura familiar e da sociedade civil, o funcionamento do Programa atingiu melhor desempenho e os índices de compra de alimentos diretamente dos/as agricultores/as são maiores”.
Oficina
A oficina autogestionada “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”, realizada no Barracão de Políticas Públicas, na sala #EstudeoFunk, na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, onde foi lançada a publicação, proporcionou diálogo sobre a inclusão de alimentos da agricultura familiar e agroecológica no Programa, a partir dos dados da pesquisa.
“Em escolas públicas de territórios onde há desertos alimentares, às segundas-feiras, as crianças comem 50% a mais do que nos outros dias da semana”, disse, na oficina, Milton Fornazieri, Secretário de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
Fornazieri falou sobre os desafios do Pnae para botar comida de verdade e sem veneno nas escolas. Segundo ele, o governo vem debatendo formas não só de monitorar o cumprimento da lei como também incentivar quem compra mais. O secretário contou ainda que o MDA pretende lançar o Prêmio Prefeitura Amiga da Agricultura Familiar.
Participaram também da oficina Vanessa Schotz e Juliana Casemiro (FBSSAN), Julian Cassarino, do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), e a agricultora Miraci Pereira Silva, do assentamento Roseli Nunes, em Mirassol D’Oeste (MT), com mediação de Morgana Maselli (ANA).
Segundo a professora adjunta do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (INU/UERJ) e integrante da equipe do estudo, Juliana Casemiro, a pesquisa mostrou a necessidade de criar, valorizar e institucionalizar espaços de participação e diálogo que aproximem a gestão do Programa e as organizações da agricultura familiar e agroecológicas.
Além disso, a pesquisa tem potencial para inspirar e engajar outras organizações e redes para refletirem possibilidades, desafios e estratégias relacionadas à inclusão de alimentos da agricultura familiar e agroecológica no Pnae e a ampliação do acesso das mulheres ao Programa .
“Outro elemento importante para fortalecer as ações da sociedade civil é a possibilidade de criação de legislação local a partir dessas necessidades locais, mas em conformidade com sua legislação nacional. Vale muito a pena um investimento do FNDE para fortalecer essas estratégias, tanto do ponto de vista da participação quanto da formação de atores locais”, afirmou Casemiro.
Julian Cassarino lembrou que demorou 10 anos da Lei para chegar a 30% de aquisição. “Organizações que tinham alguns recursos conseguiram se estruturar para acessar o PNAE, mas para dar um salto, precisamos dar auxílio a agricultores que não têm organização. Sem recursos organizativos e de gestão, chegaremos a um limite.”
Link para download da publicação COMIDA DE VERDADE NAS ESCOLAS DO CAMPO E DA CIDADE: aprendizados de pesquisa-ação em nove territórios brasileiros