Por Juliana Casemiro e Bárbara Knust
O livro FBSSAN: 25 anos semeando direitos e colhendo cidadania que apresenta a trajetória de atuação do FBSSAN foi lançado com a presença de muitos militantes históricos e já está disponível para download.
Durante uma Roda de Diálogo Virtual foi apresentado o livro FBSSAN: 25 anos semeando direitos e colhendo cidadania. A atividade ocorreu com a participação de cerca de cinquenta militantes históricos do Fórum numa celebração repleta de afetos, reflexões e muita sabedoria. Foram duas horas de diálogo, com partilhas das lembranças de lutas antigas e recentes, análises da conjuntura e apontamentos para a agenda de atuação do Fórum.

Pessoas de diversas partes do país, dentre estes muitos representantes de Fóruns Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional, marcaram presença e trouxeram contribuições ao debate. O lançamento conectou militantes da Paraíba, Piauí, Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Paraná.
Relembrando o processo de construção do FBSSAN, Renato Maluf refletiu sobre os diferentes papéis do Fórum ao longo dos anos, destacando contribuições para a construção da SAN como campo político, para o desenvolvimento de políticas públicas e para o Consea. Para Renato, “O Fórum é um campo político que foi se construindo e se consolidando como um importante interlocutor para as políticas públicas de segurança alimentar e combate à fome. […] Com as suas limitações [trabalho voluntário] ele, obviamente, se ressentia da dificuldade de combinar a atuação institucional com os espaços de política pública como era o Consea e a interlocução com os movimentos, redes e organizações, atuação em campanhas, enfim… A mobilização para além do Consea de forma geral. Mas, isso hipótese alguma, quer dizer que a gente não esteve mobilizado, sobretudo no próprio Consea. […] Sem essa mobilização, não teria lei Orgânica, não teria Emenda Constitucional, não teria a mudança na alimentação escolar, etc. Isso é uma característica, né. Pelo menos nas primeiras conferências, o papel do fórum da construção das agendas foi muito importante.”
Durante sua fala, Edmar Gadelha destacou a importância do Fórum na construção conceitual da segurança alimentar e nutricional como um marco genuinamente brasileiro. “Acho que o livro trata bem das questões do próprio conceito de segurança alimentar e nutricional, que foi, na minha opinião, construído pelo Fórum. Você falava muito só em segurança alimentar, e o Fórum, com a articulação de diversas parcerias, se propôs a construir este conceito, que me parece ser um conceito brasileiro, construído no Brasil”
Segundo ele, a consolidação desse entendimento se deu especialmente a partir do quinto Encontro Nacional, realizado na Bahia, quando o termo “soberania” foi incorporado ao debate. Edmar relembrou também o papel político do Fórum após sua criação, em 1998, com o envio de cartas aos governadores eleitos propondo a criação de conselhos estaduais de segurança alimentar, em resposta à extinção do CONSEA Nacional pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Um dos governadores que respondeu positivamente foi Itamar Franco, em Minas Gerais, que convidou a coordenação do Fórum para uma reunião no Palácio da Liberdade, em 1999. “Foi proposto ao governador Itamar a criação do Consea estadual. E, muito sabiamente, Dom Mauro propôs que o Fórum apoiaria essa criação, desde que houvesse uma contrapartida: o governo de Minas apoiar financeiramente o Fórum Brasileiro”, relembrou.
Esse apoio foi decisivo para a realização de encontros e o fortalecimento da articulação nacional, especialmente num período de tensão entre os governos estadual e federal. A atuação do Fórum em Minas culminou na elaboração da primeira Lei Estadual de Segurança Alimentar, proposta em dezembro de 2001, durante o primeiro Encontro Estadual de Segurança Alimentar, com forte participação do FBSSAN. Segundo Edmar, essa legislação pioneira ajudou a fundamentar, posteriormente, a criação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), em âmbito nacional.
No decorrer dos debates, análises do cenário atual e apontamentos para o futuro foram feitos. O tema das mudanças climáticas foi apontado por Nathalie Beghin como uma oportunidade urgente e estratégica para o Fórum se reposicionar no cenário nacional e internacional. “A gente não sobrevive como espécie se continuar aquecendo, aquecendo, aquecendo. Em breve, nós iremos desaparecer como espécie. E a segurança alimentar e nutricional é crucial neste debate do clima. Então, eu acho que esse pode ser um novo papel para o Fórum: para cuidar da natureza numa perspectiva feminista e antirracista, para cuidar das pessoas, da natureza, dos ecossistemas, da sociobiodiversidade, você precisa de uma perspectiva de segurança alimentar e social, de soberania e segurança alimentar e nutricional”.
Apesar dos esforços de lideranças como o presidente Lula com a Aliança Global contra a Fome, Nathalie reconhece que o tema tem perdido prioridade no cenário internacional. “Acho que o Fórum tem um papel enorme a cumprir nesse debate. E aí, sendo bem pragmática: está difícil financiar a fome. Ninguém quer discutir fome, ninguém quer financiar mais a fome no mundo […] é um debate bem difícil no âmbito global. Mas se o Fórum, além de continuar fazendo tudo o que faz com maestria, resolver enfrentar esse debate de clima e segurança alimentar e nutricional, acho que tem um campo enorme. Acho que tem um debate enorme para ser feito, tanto no Brasil como fora. Porque esse debate não está posto, só pelo setor privado, infelizmente. Então, acho que essa é a grande oportunidade para o Fórum dar uma revigorada e entrar de cabeça nessa temática.”
Flavio Valente destacou a urgência de incorporar a SAN como um eixo estruturante das agendas de governança global. Para ele, esse é um desafio incontornável diante do cenário internacional atual, marcado por disputas de poder e fragilização de organismos multilaterais.“Estamos vivendo um momento em que os países tentam reafirmar seus próprios status, e é fundamental entender como a segurança alimentar se insere nesse cenário”, afirmou. Chamou atenção também para o enfraquecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), que, segundo ele, enfrenta perda de autonomia e de recursos, ao mesmo tempo em que passa por um processo de reestruturação.
Flávio também mencionou os embates com o bloco americano e avaliou que o futuro não será fácil. “Acredito que estamos enfrentando talvez uma das maiores crises da humanidade: o risco real de desaparecermos como espécie”. Para ele, esse risco se agrava com a atuação de países que assumem posturas imperialistas e se colocam como “donos do mundo”. Diante disso, acredita que “Excluir a segurança alimentar e a seguridade da agenda política mundial de hoje seria uma tragédia. Para nós e para os povos do mundo”. Ele defendeu a articulação de estratégias capazes de integrar o tema nas decisões políticas e a necessidade de mobilizar financiamento para o Fórum, para dar fôlego à luta pelo combate à fome.
Elizabetta Recine apontou a importância do livro no que diz respeito ao registro da trajetória de luta coletiva do Fórum. “Eu tenho pensado muito sobre a importância de nós registrarmos as trajetórias coletivas. Nós fazemos muitas coisas, a gente aprende muito, apanha muito, refaz muito e a gente registra pouco. E como é importante isso por muitos motivos. Então, quero celebrar esse esforço, que eu tenho certeza que foi coletivo e não foi fácil, mas é muito importante vocês terem registrado isso.”
Relembrou que durante os anos de 2016 a 2022, o campo da SSAN passou por uma profunda reconfiguração, marcada pela intensificação das crises políticas, sociais e ambientais no Brasil. Neste período, novas forças sociais emergiram e antigos movimentos se reposicionaram diante do agravamento da fome e do desmonte das políticas públicas. “Movimentos que tinham isso no seu horizonte, mas não atuavam tão explicitamente, vieram para a roda. Outros surgiram, assim como coletivos mais fluidos, igualmente importantes”, avaliou ao destacar a importância da mobilização coletiva para manter viva uma agenda que resistia mesmo diante da ausência do Estado. “A conferência foi fundamental para garantir que essa agenda não morresse. Ela não morreria, pois havia muita gente atuando nela além da conferência. Mas a conferência deu organicidade a essa luta”.
Norma Alberto relembrou os momentos históricos do Fórum e destacou a sua importância na agenda de SSAN e como se consolidou como um espaço essencial para a sociedade civil e atores estaduais, cumprindo um papel estratégico de articulação, formação política e mobilização social. “O Fórum é uma grande escola”, destacando sua importância como espaço formativo e articulador de saberes.
Segundo Norma, a participação no Encontro Nacional do Fórum, mesmo antes de compreender totalmente sua estrutura, foi uma experiência marcante. “Os debates, os materiais, tudo ali contribuiu para uma maior compreensão da pauta da soberania alimentar”, relembrou que foi nesse espaço que ela e muitas outras pessoas passaram a se aproximar e entender mais profundamente o conceito e a urgência da soberania alimentar, pauta que se fortaleceu ao longo dos anos por meio da atuação do FBSSAN.
Ela ressaltou ainda que a produção e a circulação de conhecimento promovidas pelo Fórum, incluindo literatura técnica, materiais didáticos e debates, têm sido fundamentais para fortalecer as lutas nos territórios. “Essa articulação tem sido essencial. Ao longo desses 25 anos, o Fórum demonstrou sua relevância e capacidade de articulação em rede”.
Ao projetar os próximos passos, Norma destacou o desejo de que o Fórum siga sendo um espaço vivo, afetuoso, plural e intergeracional, com maior participação da juventude, renovando olhares, práticas e saberes. “Precisamos alcançar a tão sonhada sustentabilidade financeira para ampliar nossa capacidade de incidência política e mobilizar organismos nos estados e municípios. Assim, a pauta da soberania e segurança alimentar poderá ser ainda mais capilarizada”.
Maria Emilia Pacheco destacou a importância histórica e estratégica das articulações internacionais promovidas pelo Fórum. Ela relembrou a participação da entidade na primeira reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) sobre segurança alimentar, realizada em Maputo, Moçambique e também ressaltou o papel do Fórum em outros espaços internacionais, como o Fórum Social Panamazônico, onde tem sido articulada uma campanha contra a fome nos países da Bacia Amazônica. “Esse debate, que também se conecta à agroecologia, vai ecoar na próxima reunião de presidentes da região, marcada para acontecer na Colômbia. E também quero dizer que muito importante nessa história é a relação entre nós, do Fórum, com o movimento agroecológico. Quero lembrar também que tem a presença de algumas pessoas aqui, Sylvia, Vanessa, Edmar, que estiveram num grupo que havíamos criado, que era um grupo de soberania e segurança alimentar e nutricional dentro do movimento, dentro da Articulação Nacional de Agroecologia e que continua ecoando e tem tido seus efeitos. Inclusive, por exemplo, há um destaque em um dos eixos da Cúpula dos Povos, que também traz à tona soberania, segurança alimentar e nutricional e a relação com a agroecologia. Essa é uma construção importante, que espero que a gente fortaleça cada vez mais, inclusive porque estamos no caminho de preparação do quinto Encontro Nacional de Agroecologia no próximo ano.”
Um pouco mais sobre o livro
A realização do livro teve apoio do Instituto Ibirapitanga e reúne em nove capítulos textos escritos por 14 integrantes do FBSSAN. Trata da história do Fórum desde a sua criação em 1998, passando por toda trajetória de uma agenda engajada na defesa da Soberania Alimentar e do Direito Humano à Alimentação Adequada.
Pela primeira vez uma publicação dedica-se a contar essa história do FBSSAN em detalhes, permitindo que os leitores acessem numa perspectiva cronológica o entrelaçar de atuação do FBSSAN e a construção das políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Os textos demarcam o quanto as ações construídas ao longo desses vinte cinco anos tiveram como base a análise crítica da conjuntura nacional e internacional como principal orientadora da definição de prioridade.
O livro inclui ainda, aspectos que permitem compreender os princípios organizativos do Fórum, uma organização que mantém uma atuação perene e sólida, contudo atuando em uma grande rede estabelecida por relações horizontais e com vínculos que se dão pela afinidade e a militância.
A publicação está disponível em formato e-book no site do FBSSAN e pode ser acessada aqui.
